A.A.__Camões__lírica
sexta-feira, 28 de março de 2014
domingo, 23 de março de 2014
Escansão (-escandir)
- Contagem das sílabas métricas
- Decassílabo heróico. Decassilabo sáfico.
sábado, 1 de março de 2014
Alma minha gentil, que te partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Camões, Rimas
Gonçalo Salgueiro
Amália
- Versos: Todos os versos obedecem ao
mesmo ER. 10 (6-10) são, portanto regulares, marcando a semelhança fónica no
final de certos versos.
• Estrofes: São compostas de duas quadras
e de dois tercetos, que é a forma fixa dos sonetos, formando uma unidade de 14
versos decassílabos heróicos.
• As rimas
são:
- Externas, que é um recurso de grande efeito musical e
rítmico;
- Consoantes, com semelhança entre consoantes e vogais;
•
- Paroxítonas nas rimas A/ B/ C e oxítonas
nas rimas D;
•
- Seguem o esquema AB BA AB BA CD CD CD.
Nos quartetos as rimas A estão interpoladas e as rimas B emparelhadas. Nos
tercetos as rimas C e D estão cruzadas (ou alternadas);
•
- As rimas A e B são ricas na primeira
estrofe, ou seja, partiste (verbo
partir) e triste (adjetivo), e as
rimas A e B da segunda estrofe são pobres, pois tem a mesma classe gramatical subiste e viste são verbos, assim como consente
e ardente são adjetivos além da C e
D, que também são pobres, pois os verbos da estrofe C: merecer-te e perder-te e ver-te, assim como os verbos ficou,
encurtou e levou na estrofe D, possuem mesma classe gramatical.
·
Camões faz uso da cacofonia ao
juntar as palavras “Alma minha”, formando o cacófato “maminha.
·
De referir as oposições entre
“lá” e “cá”, “Céu” e “terra”, “repousa (...) eternamente” e “viva (...) sempre
triste”, que podem ser interpretadas como uma antinomia entre feminino e
masculino: à amada cabem os primeiros termos; ao eu-lírico, os segundos. Mas
pode ser vista também uma oposição entre céu/espírito (ela), com
características positivas, e terra/carne (ele), com características negativas.
Esse é o contraste básico do neoplatonismo, de acordo com o qual a matéria, a
carne, o corpóreo, é inferior ao ideal, ao espiritual.
- “amor platónico”, ou seja, aquele que se manifesta plenamente sem a necessidade do carnal, do corpóreo, preso apenas à ideia, ao pensamento. É a tese presente nos quartetos de outro soneto, “Transforma-se o amador na cousa amada”.
- No entanto, os versos 7-8 de “Alma minha gentil, que te partiste” demonstram como Camões reinterpreta essa teoria. Basta observar que o eu lírico pede que a sua amada, um espírito, se lembre do amor ardente (obviamente, de valor carnal) que ele já mostrara tão puro nos próprios olhos (obviamente, um valor espiritual). Há, portanto, uma fusão entre carnal e espiritual, ou seja, entre matéria e ideia – o espiritual tem elementos carnais e o carnal tem elementos espirituais. Essa mesma fusão é percebida em “Transforma-se o amador na cousa amada”, basicamente entre a ideia dos quartetos (primado do espiritual) e os tercetos (primado do carnal). A ideia precisa da matéria para se realizar plenamente.
- Ao opor masculino e feminino, acaba derramando elementos carnais ao homem e quase os eliminando por completo na mulher, que a torna uma figura etérea, divina. Eis outra clara influência petrarquista.
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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Como quando do mar tempestuoso
Como quando do mar tempestuoso
o marinheiro, lasso e trabalhado (1),
de um naufrágio cruel já salvo a nado,
só ouvir falar nele o faz medroso,
e jura que, em que (2) veja bonançoso
o violento mar e sossegado,
não entre nele mais, mas vai forçado
pelo muito interesse cobiçoso;
assi, Senhora, eu, que da tormenta
de vossa vista fujo, por (3) salvar-me,
jurando de não mais em outra ver-me:
minh’alma, que de vós nunca se ausenta,
dá-me por preço ver-vos, faz tornar-me
o marinheiro, lasso e trabalhado (1),
de um naufrágio cruel já salvo a nado,
só ouvir falar nele o faz medroso,
e jura que, em que (2) veja bonançoso
o violento mar e sossegado,
não entre nele mais, mas vai forçado
pelo muito interesse cobiçoso;
assi, Senhora, eu, que da tormenta
de vossa vista fujo, por (3) salvar-me,
jurando de não mais em outra ver-me:
minh’alma, que de vós nunca se ausenta,
dá-me por preço ver-vos, faz tornar-me
donde fugi tão
perto de perder-me.
Luís de Camões
(2)
Em
que:
ainda que
(3) Por: para
1.
No texto estabelece-se uma
relação de semelhança entre duas situações.
1.1.
Delimite as duas partes
lógicas do texto.
1.2. Indique e classifique
morfologicamente os conectores que estabelecem a relação indicada.
1.3.
Sintetize a contradição
patente no comportamento do marinheiro.
1.4. Transcreva os segmentos
textuais da segunda parte que correspondem aos seguintes elementos da primeira:
1.4.1.
Marinheiro lasso e trabalhado
(v.2);
1.4.2.
Mar tempestuoso (v.1)
1.4.3.
Jura que […] não entre nele
mais (vs. 5 a 7)
1.5.
Classifique a figura de
estilo presente na expressão tormenta da
vossa vista (vs. 9 e 10) e comente a sua expressividade.
2.
A fraqueza confessada pelo
sujeito poético é também uma forma de reforçar a confissão do seu amor.
2.1.
Explique porquê.
2.2.
Identifique o destinatário da
confissão.
3.
Faça a análise formal do
soneto, indicando:
3.1.
A estrutura externa;
3.2.
A divisão das sílabas
métricas do 1.º verso;
3.3.
O esquema rimático.
4.
Justifique a integração do
texto na corrente renascentista da poesia camoniana.
5.
Este poema dá-nos uma visão
tipicamente camoniana do amor. Elabore um texto subordinado ao tema A vivência
do amor nos sonetos de Camões.
6.
Documente o seu texto com
algumas referências aos sonetos de que mais gostou.
sábado, 16 de fevereiro de 2013
Quando o sol encoberto vai mostrando
Quando o sol
encoberto (1) vai mostrando
Ao mundo a luz quieta (2) e duvidosa (3),
Ao longo de uma praia deleitosa (4)
Vou na minha inimiga (5) imaginando.
Ao mundo a luz quieta (2) e duvidosa (3),
Ao longo de uma praia deleitosa (4)
Vou na minha inimiga (5) imaginando.
Aqui a vi, os cabelos concertando (6);
Ali, co'a mão na face tão, formosa;
Aqui falando alegre, ali cuidosa (7);
Agora estando queda, agora andando.
Aqui esteve
sentada, ali me viu,
Erguendo aqueles olhos, tão isentos (8);
Aqui movida (9) um pouco, ali segura (10).
Erguendo aqueles olhos, tão isentos (8);
Aqui movida (9) um pouco, ali segura (10).
Aqui se
entristeceu, ali se riu.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.
Luís de Camões, Rimas
1. hora do poente
2. sossegada
3. hesitante; incerta
4. amena; aprazível; agradável
5. mulher amada
6. compondo
7. pensativa
8. livres; tranquilos; despreocupados; não interessados no sujeito
poético
9. comovida
10. tranquila
1.
Divida o poema em partes
lógicas e justifique sinteticamente essa divisão.
2.
Explique o que nos sugere o
espaço natural descrito nos três primeiros versos.
3.
Mostre que o sujeito poético
caracteriza a figura feminina através de contrastes.
4.
Identifique dois recursos
estilísticos e transcreva exemplos para os mesmos.
5.
Comente os valores
expressivos desses recursos neste poema.
6.
Compare, justificadamente, os
estados de espírito do sujeito poético no passado e no presente (que se
prolonga para o futuro).
7.
Indique e justifique o tema
do poema.
8.
Proceda à descrição formal do
poema, quanto aos seguintes aspectos:
- classificação das estrofes quanto ao número de versos
- classificação da composição
- esquema rimático
- métrica
Ao mundo a luz quieta e duvidosa ,
Ao longo de uma praia deleitosa
Vou na minha inimiga imaginando.
Aqui a vi, os cabelos concertando ;
Ali, co'a mão na face tão, formosa;
Aqui falando alegre, ali cuidosa ;
Agora estando queda, agora andando.
Aqui esteve sentada, ali me viu,
Erguendo aqueles olhos, tão isentos ;
Aqui movida um pouco, ali segura .
Erguendo aqueles olhos, tão isentos ;
Aqui movida um pouco, ali segura .
Aqui se entristeceu, ali se riu.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.
Luís de Camões,
Rimas
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sábado, 9 de fevereiro de 2013
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Erros meus, má fortuna, amor
ardente
Em minha perdição se
conjuraram;
Os erros e a fortuna
sobejaram,
Que para mim bastava o amor,
somente.
Tudo passei; mas tenho tão
presente
A grande dor das cousas que
passaram,
Que as magoadas iras me
ensinaram
A não querer já nunca ser
contente.
Errei todo o discurso de meus
anos;
Dei causa a que a Fortuna
castigasse
As minhas mal fundadas
esperanças.
De amor não vi senão breves
enganos…
Oh! Quem tanto pudesse que
fartasse
Este meu duro Génio de
vinganças!
Luís de Camões
<><><>
·
Soneto em decassílabo heróico.
·
Abba/abba/cde/cde
·
Ritmo ternário no 1.º verso
·
Lamento do sujeito por se
sentir alvo da conjura dos erros, da fortuna e do amor para o fazerem infeliz.
· Adjetivação – discurso valorativo
– acentua o pendor disfórico e hiperbólico do texto.
·
O corte mais profundo na
estrutura deste soneto passa entre o 1º e o 2.º terceto. Pode, assim,
distinguir-se um discurso autobiográfico (escrito na 1.ª pessoa, referente ao
passado) e dois versos exclamativos que exprimem um desejo relativo ao futuro).
·
Na 1.ª parte formam-se três
blocos de quatro versos.
1.ª quadra – tempo passado –
pretérito perfeito; presença de três vocábulos base: erros, fortuna, amor.
2.ª quadra – projeção do
passado no presente
1.º terceto e 1.º verso do
segundo terceto – tempo passado – regresso dos três vocábulos base (variante:
errei)
·
Ao longo de toda a primeira
parte existe uma rede de palavras - de
conotação negativa – que exprimem sentimentos: dor, magoadas iras, nunca ser
contente, mal fundadas esperanças, breves enganos. Constituem um vocabulário do
sofrimentos (perdição), relacionado com erros, Fortuna, Amor.
·
Este vocabulário é, assim,
completado por aquele que se encontra mais ligado a Fortuna (má, castigar) que
domina e transforma – fatalismo. As transformações que o Destino operou recaem
sobre a maneira de viver o amor que vai evoluindo ao longo do tempo:
1.º “do amor não vi senão
breves enganos”
2.º “não querer já nunca ser
contente”
·
A exclamação final
corresponde ao desejo de libertação desse Destino (má Fortuna). – A expressividade
da exclamação final fortemente acrescida pela consecutiva hiperbolizante.
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