segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


Como quando do mar tempestuoso



Como quando do mar tempestuoso
o marinheiro, lasso e trabalhado
(1),
de um naufrágio cruel já salvo a nado,
só ouvir falar nele o faz medroso,

e jura que, em que
(2) veja bonançoso
o violento mar e sossegado,
não entre nele mais, mas vai forçado
pelo muito interesse cobiçoso;

assi, Senhora, eu, que da tormenta
de vossa vista fujo, por
(3) salvar-me,
jurando de não mais em outra ver-me:

minh’alma, que de vós nunca se ausenta,
dá-me por preço ver-vos, faz tornar-me
donde fugi tão perto de perder-me.

Luís de Camões
(1)   Trabalhado: cansado dos trabalhos pesados
(2)   Em que: ainda que
(3)  Por: para



1.   No texto estabelece-se uma relação de semelhança entre duas situações.
1.1.      Delimite as duas partes lógicas do texto.
1.2. Indique e classifique morfologicamente os conectores que estabelecem a relação indicada.
1.3.      Sintetize a contradição patente no comportamento do marinheiro.
1.4. Transcreva os segmentos textuais da segunda parte que correspondem aos seguintes elementos da primeira:
1.4.1.    Marinheiro lasso e trabalhado (v.2);
1.4.2.    Mar tempestuoso (v.1)
1.4.3.    Jura que […] não entre nele mais (vs. 5 a 7)
1.5.      Classifique a figura de estilo presente na expressão tormenta da vossa vista (vs. 9 e 10) e comente a sua expressividade.
2.   A fraqueza confessada pelo sujeito poético é também uma forma de reforçar a confissão do seu amor.
2.1.      Explique porquê.
2.2.      Identifique o destinatário da confissão.
3.   Faça a análise formal do soneto, indicando:
3.1.      A estrutura externa;
3.2.      A divisão das sílabas métricas do 1.º verso;
3.3.      O esquema rimático.
4.   Justifique a integração do texto na corrente renascentista da poesia camoniana.
5.   Este poema dá-nos uma visão tipicamente camoniana do amor. Elabore um texto subordinado ao tema A vivência do amor nos sonetos de Camões.
6.   Documente o seu texto com algumas referências aos sonetos de que mais gostou.







sábado, 16 de fevereiro de 2013


Quando o sol encoberto vai mostrando




Quando o sol encoberto (1) vai mostrando
Ao mundo a luz quieta
(2) e duvidosa (3),
Ao longo de uma praia deleitosa
(4)
Vou na minha inimiga
(5) imaginando.

Aqui a vi, os cabelos concertando
(6);
Ali, co'a mão na face tão, formosa;
Aqui falando alegre, ali cuidosa
(7);
Agora estando queda, agora andando.

Aqui esteve sentada, ali me viu,
Erguendo aqueles olhos, tão isentos
(8);
Aqui movida
(9) um pouco, ali segura (10).

Aqui se entristeceu, ali se riu.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.

Luís de Camões, Rimas


1. hora do poente
2. sossegada
3. hesitante; incerta
4. amena; aprazível; agradável
5. mulher amada
6. compondo
7. pensativa
8. livres; tranquilos; despreocupados; não interessados no sujeito poético
9. comovida
10.  tranquila


1.   Divida o poema em partes lógicas e justifique sinteticamente essa divisão.
2.   Explique o que nos sugere o espaço natural descrito nos três primeiros versos.
3.   Mostre que o sujeito poético caracteriza a figura feminina através de contrastes.
4.   Identifique dois recursos estilísticos e transcreva exemplos para os mesmos.
5.   Comente os valores expressivos desses recursos neste poema.
6.   Compare, justificadamente, os estados de espírito do sujeito poético no passado e no presente (que se prolonga para o futuro).
7.   Indique e justifique o tema do poema.
8.   Proceda à descrição formal do poema, quanto aos seguintes aspectos:
- classificação das estrofes quanto ao número de versos
- classificação da composição
- esquema rimático
- métrica



Ao mundo a luz quieta
 e duvidosa ,
Ao longo de uma praia deleitosa

Vou na minha inimiga
 imaginando.

Aqui a vi, os cabelos concertando
;
Ali, co'a mão na face tão, formosa;
Aqui falando alegre, ali cuidosa
;
Agora estando queda, agora andando.

Aqui esteve sentada, ali me viu,
Erguendo aqueles olhos, tão isentos
;
Aqui movida
 um pouco, ali segura .

Aqui se entristeceu, ali se riu.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.

Luís de Camões, Rimas


sábado, 9 de fevereiro de 2013


Erros meus, má fortuna, amor ardente




Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava o amor, somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos…
Oh! Quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Luís de Camões
 <><><>

·           Soneto em decassílabo heróico.
·           Abba/abba/cde/cde
·           Ritmo ternário no 1.º verso
·           Lamento do sujeito por se sentir alvo da conjura dos erros, da fortuna e do amor para o fazerem infeliz.
·   Adjetivação – discurso valorativo – acentua o pendor disfórico e hiperbólico do texto.
·           O corte mais profundo na estrutura deste soneto passa entre o 1º e o 2.º terceto. Pode, assim, distinguir-se um discurso autobiográfico (escrito na 1.ª pessoa, referente ao passado) e dois versos exclamativos que exprimem um desejo relativo ao futuro).
·           Na 1.ª parte formam-se três blocos de quatro versos.
1.ª quadra – tempo passado – pretérito perfeito; presença de três vocábulos base: erros, fortuna, amor.
2.ª quadra – projeção do passado no presente
1.º terceto e 1.º verso do segundo terceto – tempo passado – regresso dos três vocábulos base (variante: errei)
·           Ao longo de toda a primeira parte existe uma rede de palavras  - de conotação negativa – que exprimem sentimentos: dor, magoadas iras, nunca ser contente, mal fundadas esperanças, breves enganos. Constituem um vocabulário do sofrimentos (perdição), relacionado com erros, Fortuna, Amor.
·           Este vocabulário é, assim, completado por aquele que se encontra mais ligado a Fortuna (má, castigar) que domina e transforma – fatalismo. As transformações que o Destino operou recaem sobre a maneira de viver o amor que vai evoluindo ao longo do tempo:
1.º “do amor não vi senão breves enganos”
2.º “não querer já nunca ser contente”
·           A exclamação final corresponde ao desejo de libertação desse Destino (má Fortuna). – A expressividade da exclamação final fortemente acrescida pela consecutiva hiperbolizante.


OUVIR: http://ensina.rtp.pt/artigo/joao-reis-le-luis-vaz-de-camoes/





De quantas graças tinha, a Natureza





De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro;
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.

Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.

Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

Luís de Camões


Linhas de leitura:
·         Partes lógicas.
·         Retrato.
·     Efeitos da beleza retratada no sujeito poético.
·         Recursos estilísticos.
·         Estrutura formal da composição.



A fermosura desta fresca serra




A fermosura desta fresca serra
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;

O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra;

Enfim, tudo o que a rara Natureza
Com tanta variedade nos oferece,
Me está, se não te vejo, magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias, mor tristeza.

Luís de Camões


1. Identifique o tema deste soneto e mostre como se processa o seu desenvolvimento.
2.   Estabeleça o relacionamento eu/natureza patente no texto.
3.   Analise a estrutura formal do texto.
4.   Aponte os recursos estilísticos mais relevantes, exemplificando.
5.   Refira as principais características da corrente literária em que se insere a composição poética.


TÓPICOS DE CORREÇÃO

1.   Amor/saudade
. Felicidade=presença da amada
1.ª parte – 1.ª e 2.ª estrofes: natureza harmoniosa, propícia ao amor.
2.ª parte – 3.ª e 4.ª estrofes: irrelevância da beleza natural, sem a mulher amada.

2.   Eu = Natureza = Harmonia: presença da mulher amada.
Eu # Natureza = conflito: ausência da amada (“Sem ti, tudo m’enoja e m’avorrece”)
3.   Forma poética fixa: catorze versos distribuídos por duas quadras e dois tercetos, verso decassilábico, rima cruzada e emparelhada (abba/abba) e interpolada (cde/cde)
4.   Enumeração = “fermosura… sombra…caminhar…” etc.
Adjectivação valorativa = “fresca serra”, “verdes castanheiros”, “rouco som do mar”, etc.
Anáfora = “Sem ti…Sem ti…”
Antítese = “mores alegrias, mor tristeza”
5.   Classicismo = Imitação dos clássicos, procura do equilíbrio.
                 = Natureza – “locus amoenus”
                 = Mulher – ser divino, inatingível